A Lua acompanha a imaginação do homem desde as primeiras civilizações, diz Niomar de Souza Pereira, diretora do Museu de Folclore de São Paulo. Por não entender os fenômenos naturais, o homem buscava explicações nos astros, principalmente na Lua e no Sol. Daí surgiram os primeiros deuses e mitos.
A lista é longa. A começar pelos gregos que, não contentes com uma única deusa lunar, criaram três: Ártemis, para o Quarto Crescente, Selene, para a Lua Cheia, e Hécate, para as luas No-va e Minguante. Os romanos foram mais modestos: chamavam a Lua de Diana, protetora da caça e da noite. Entre os povos da Mesopotâmia, ela era a deusa Sin, que mais tarde foi substituída por Ishtar, na Babilônia. Para os chineses, era Kwan-Yin e, para os índios brasileiros, Cairê ou Jaci.
A Lua também foi adorada como um deus andrógino, que reúne características masculinas e femininas como Shiva, o deus transformador do hinduísmo, que carrega a Lua Crescente como um de seus símbolos. Temperamental, instável e misterioso como a loucura, o satélite podia trazer fartura e saúde, ou miséria e doenças. Suas fases Nova, Crescente, Cheia e Minguante ajudaram decisivamente para essa reputação. Para os antigos, o próprio astro parecia nascer, crescer, atingir a plenitude e desaparecer, como a barriga de uma gestante. Por isso, ela foi associada à fertilidade da terra, dos animais e das mulheres. Era a senhora absoluta dos ritmos de vida e morte.
Essa marca aparece na cultura de muitos povos, mesmo naquelas em que a Lua não adquiriu uma personalidade divina. No Corão dos árabes, ela é Qatar, símbolo do poder transformador de Alá. Entre os judeus, seu aspecto mutante transformou-a na representação do judeu nômade. Na Idade Média, os alquimistas a usavam para simbolizar o mercúrio, elemento fundamental do corpo humano. Até a Igreja Católica mantinha então um pé nos cultos lunares: aconselhava os fiéis a esperar a benéfica Lua Crescente para se casar ou mudar de casa. Ainda hoje, a imagem da Imaculada Conceição mostra a santa pisando uma Lua Crescente, que indica ressurreição e renovação. A imagem tem um segundo sentido: o do cristianismo vencendo o islamismo, cujo símbolo é exatamente o Crescente. O próprio São Jorge tem um ancestral mitológico numa antiga lenda oriental, da época do conquistador mongol Gengis Khan (século XIII), que falava de um guerreiro que combatia sem parar o dragão que vive na Lua.
Ela também compõe o cenário para personagens fantásticos como o lobisomem. Segundo a pesquisadora de cultura popular Maria do Rosário Tavares de Lima, o primeiro registro desse mito está no livro Metamorfoses, do poeta latino Ovídio (43 a.C.-17 d.C.). Com pequenas variações de um povo para outro, a história do homem condenado a se transformar em lobo e correr toda noite sete cidades à caça de carne humana existe no mundo inteiro, diz ela.
Além do misticismo, o homem tirou da Lua também instrumentos para o lado prático da vida: devido a seu rápido e pontual ciclo de 28 dias, ela foi a primeira referência para a medição do tempo. Até hoje, as agendas trazem a marca dos primitivos calendários lunares: o sábado e o sabá dos judeus tiveram origem nos cultos lunares: entre os babilônios, sabattu era o dia de Lua Cheia, quando a deusa Ishtar ficava menstruada e, indisposta, precisava se recolher. Todos deviam, então, aproveitar o dia para descansar o coração.
Não são só as folhinhas que mantêm os sinais da importância que a Lua tinha para os povos antigos. Existe mais uma infinidade de palavras, em todas as línguas, surgidas dos tempos em que a deusa prateada dominava os céus. Mente e mania surgiram do termo manas, ou men, que, em antigos idiomas indo-europeus, designava o sangue da sabedoria da Grande Mãe, que surgia nas mulheres a cada mês, governado pela Lua ou seja, a menstruação.
Essa herança lunar é universal está presente em todas as culturas, com diferentes interpretações. Na astrologia, tudo o que tem forma e é mutável é regido pela Lua. Não é ela que causa, fisicamente, as transformações, comenta o astrólogo Oscar Quiroga. A Lua é apenas a maior analogia que o homem encontrou no Cosmo para as mudanças vividas na Terra.
Assim, o fascínio da Lua resiste, ao longo dos séculos. Ainda hoje, dizem que ela influi na germinação e no desenvolvimento dos vegetais, no crescimento do cabelo, no humor das pessoas, na gestação e no parto, entre outras coisas. A ciência não consegue eliminar de vez esse encanto lunar. Mas faz um contraponto com as crenças, limitando os territórios do conhecimento e da mitologia. Nas próximas páginas, você vai saber o que há de verdade e de superstição em tudo isso.
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